“Foi uma alteração grosseira”, diz advogado no Supremo sobre fim ‘fake’ do RJU na reforma de FHC

No dia em que Bolsonaro envia PEC para extinguir RJU ao Congresso, Supremo inicia julgamento que expõe 'vale tudo' contra servidores de 1998.

Advogados de proponentes e de amicus curiae (entidades especializadas aceitas no processo com o objetivo de fazer a Corte compreender a dimensão da demanda em julgamento) da ação que contesta a constitucionalidade da ‘reforma’ administrativa aprovada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), 22 anos atrás, afirmaram, em sustentação oral no STF, que a versão final do texto foi manipulada pelo relator da emenda constitucional, então deputado federal Moreira Franco (MDB-RJ).

“Tivemos quase que uma alteração grosseira”, disse o advogado Eugênio José de Aragão, representando o PT, um dos autores da ação, referindo-se ao item que irregularmente pôs fim à previsão de Regime Jurídico Único para os servidores. “O deputado Moreira Franco promoveu outras sete alterações. Inclusões feitas pelo relator da emenda constitucional na hora de fazer a redação definitiva, superando as mudanças que foram aprovadas pelo Plenário”, disse.

A afirmação foi dada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2135/2000, iniciado na tarde desta quinta-feira, 3 de setembro de 2020, no Plenário do Supremo Tribunal Federal, por videoconferência. A apreciação da matéria que é decisiva para o RJU começou no mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Legislativo proposta de ‘reforma’ administrativa que também prevê o fim do RJU e da estabilidade dos servidores públicos no Brasil.

O advogado Pedro Maurício Pita Machado exibiu, durante a sua exposição, capas de jornais do dia seguinte à votação na Câmara da proposta que resultaria na Emenda Constitucional 19, em 1998,  nas quais é informado que a proposta de fim do RJU foi derrotada. “Está aqui no [jornal] ‘O Estado de São Paulo’: Oposição derrota o governo na reforma. Na votação em separado, foi mantido o Regime Jurídico Único”, disse. Pita, que assessora sindicatos do Judiciário Federal e MPU, falou representando o PCdoB. Na votação do destaque referente ao RJU, faltaram dez votos para o governo atingir seu objetivo, o que foi noticiado pelos jornais à época.

O advogado Cezar Britto representou a Fenajufe (Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do MPU), aceita no processo como amicus curiae. Ele concentrou a sua fala em outros aspectos da ação, que apontam inconstitucionalidades materiais na emenda constitucional. Entre elas, a alteração que excluiu os militares da previsão conjunta de revisões anuais das remunerações. Disse que neste aspecto civis e militares têm que andar absolutamente juntos, seguindo o princípio basilar da isonomia prevista na Carta Magna. Disse que o tempo demonstrou que essa e outras mudanças, que seguem em vigor, foram erros que ferem os princípios da Constituição Federal de 1998.

No dia em que o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional uma proposta de ‘reforma’ que amplia os poderes dos governantes sobre o Estado e os serviços públicos, Cezar Britto ressaltou a evidente intenção do constituinte de impedir o arbítrio na gestão da administração pública. “Os servidores precisam de garantias à vontade do governante, que se sente dono do estado. Daí que o servidor serve ao público, não serve ao governante”, disse.

Por volta das 17h20, a relatora da ADI, ministra Cármen Lúcia, iniciou a leitura de seu voto. Pouco antes, o presidente do STF, Dias Toffoli, já havia informado que, devido a densidade da matéria, a sessão se encerraria em seguida, ficando a continuidade do julgamento para a semana seguinte. Cármen Lúcia se posicionou pela manutenção definitiva do que estabelecera provisoriamente a medida cautelar, 13 anos atrás: a inconstitucionalidade formal da alteração que pôs fim ao RJU, com a manutenção do texto original do caput do Artigo 39 da Constituição.

Não há, a esta altura, como descolar a apreciação desta ação da nova ‘reforma’ que chega ao Congresso Nacional. Tanto a atual quanto a de 22 anos atrás trazem em suas justificativas a ‘modernização’ dos serviços públicos, a redução dos gastos com servidores e a aplicação de critérios subjetivos para avaliações supostamente baseadas na ‘meritocracia’.

A denunciada ‘alteração grosseira’ do texto final de 1998 e os sete anos decorridos para que o STF decidisse sobre a medida cautelar, boa parte deles consumidos por quatro anos de pedido de vistas do então ministro Nelson Jobim, reforçam preocupação muitas vezes alertada por entidades sindicais do funcionalismo: há muitos e poderosos interesses por trás de tais propostas e dos ataques aos servidores – nenhum deles voltado às demandas públicas ou às necessidades sociais da população.

 

Hélcio Duarte Filho

Fonte: Sintrajud