Com 250 mil mortes e pandemia no pior momento, governo tenta acelerar ‘a boiada’

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Na semana mais letal da pandemia no país, Bolsonaro se cala sobre vítimas e tenta acelerar as privatizações e a PEC 186, que ameaça conquista histórica da saúde e educação e os serviços públicos.

O Brasil atingiu a marca de 250 mil mortes por covid-19 nesta quarta-feira, 24 de fevereiro. Também registrou a maior média de vítimas fatais em sete dias desde o início da crise sanitária: foram 1.124 óbitos diários. Em 7 de janeiro, o país anotava 200 mil mortes. Isto é, 50 mil pessoas morreram em 48 dias. Os números não deixam dúvidas: sem vacina para todos, o país vive o pior momento da pandemia.

Na mesma data em que os 250 mil óbitos foram registrados, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), informou a jornalistas que no dia seguinte os parlamentares iniciariam a discussão em plenário da votação da proposta de emenda constitucional (PEC 186/2019) cujo substitutivo prevê o fim de uma conquista histórica da saúde e educação. Os pisos que fixam percentuais orçamentários mínimos de recursos públicos a serem aplicados nestas áreas deixariam de existir, de acordo com a proposta costurada pelo senador em almoço ocorrido na semana passada com o ministro da Economia, Paulo Guedes, o relator da PEC, Márcio Bittar (MDB-AC) e outros legisladores.

Na Câmara dos Deputados, o presidente da República, Jair Bolsonaro, e Paulo Guedes foram pessoalmente entregar ao presidente Arthur Lira (PP-AL), o edital de privatização dos Correios, uma lucrativa estatal, entre as mais antigas e simbólicas da integração do país. Posaram para o retrato. Nove homens brancos, oito deles sem máscaras, segurando um pedaço de papel e sorrindo, alheios às dores causadas pelas vidas perdidas. Na véspera, chegara ao Congresso outra privatização, a medida provisória que trata da venda da Eletrobrás.

Poucas horas após a visita à Câmara, Bolsonaro promoveu no Palácio do Planalto uma cerimônia presencial que aglomerou algumas dezenas de pessoas para posse do ministro Onyx Lorenzoni, na Secretaria-Geral da Presidência, e do deputado João Roma (Republicanos-BA), no Ministério da Cidadania.

As duas posses ocorrem exatos 24 dias após as eleições dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, marcadas por denúncias de uma escancarada compra de votos de deputados e senadores com cargos e verbas extras em emendas parlamentares.

Lorenzoni foi um dos mais importantes ministros dos dois anos de governo de Michel Temer, um dos mais impopulares presidentes da história do país. A chegada dele a uma sala bem próxima a de Bolsonaro e a posse de João Roma celebram a aliança do governo, eleito a base de críticas à ‘velha política’, com o conhecido Centrão, conjunto de partidos e parlamentares cujo compromisso ideológico pode ser medido pelo fato de serem conhecidos por apoiar todos os governos.

Ao longo dessas horas de aglomerações, entrega de cargos e contestadas cartas de privatizações, não há notícia de que o presidente Jair Bolsonaro tenha feito comentário sobre as 250 mil vidas perdidas para o novo coronavírus ou anunciado alguma medida para pôr fim ao que seus opositores classificam como um genocídio em curso no país. Voltou, apenas, a falar outra vez contra as vacinas.

PEC 186

A PEC ‘Emergencial’ é um projeto do governo que antecede a pandemia. Chegou ao Senado em novembro de 2019, portanto quatro meses antes da primeira morte por covid-19 no Brasil. Para turbinar a votação, o governo conseguiu inserir em sua última versão a autorização para um novo auxílio emergencial para pessoas em vulnerabilidade social, benefício sinalizado pelo Planalto em parcos R$ 250,00, a serem pagos por quatro meses e para metade dos que o receberam em 2020. A oposição defende R$ 600,00 e para todos que estão em situação de vulnerabilidade social.

A manobra vem sendo definida como ‘chantagem’ por parcela dos parlamentares, que afirmam ser um golpe associar a concessão de um benefício social provisório a uma emenda constitucional que pode ter impactos profundos na administração pública nas três esferas de governo. Dirigentes sindicais chamam a proposta de ‘PEC da emergência fiscal dos banqueiros’. Reunidos em plenária virtual do Fórum dos Servidores (Fonasefe), representantes de entidades sindicais do funcionalismo traçaram os próximos passos de uma mobilização urgente contra a PEC 186 e a ‘reforma’ administrativa.

‘Acelerar a boiada’

Pode ser coincidência, embora não pareça. Na mesma semana em que os estragos da pandemia atingem seu pior momento no país, um senador governista apresenta o substitutivo da PEC ‘Emergencial’ (186/2019) com ataques mais duros à saúde e educação públicas e aos serviços públicos em geral; chegam ao Congresso os papéis da privatização da Eletrobrás e dos Correios; e tomam posse, numa obviamente desnecessária confraternização, os ministros que simbolizam a aliança com o Centrão. Não surpreende que venha à mente de muita gente a frase do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na reunião ministerial involuntariamente tornada pública em abril de 2020, quando a crise sanitária já se alastrava pelo país: ‘É a hora de aproveitar para passar a boiada’. Até aqui, esta talvez seja a semana que mais representa esta máxima que acabou colada ao governo do capitão Bolsonaro.

 

Hélcio Duarte Filho

LutaFenajufe Notícias

Foto: Pablo Valadares - Agência Câmara