Comissão da Câmara que analisará PEC 32 é instalada sob protestos
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Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, para quem "os brasileiros não estão satisfeitos com o serviço público que são prestados".
Colegiado tem até 40 sessões para analisar o mérito da proposta do governo Bolsonaro para os serviços públicos, mas governo quer acelerar tramitação; categorias seguem pressionando contra.
Expressando a visível intenção de descaracterizar os ataques aos servidores e aos serviços públicos inseridos nas mudanças propostas pelo governa na ‘reforma’ administrativa, os deputados Fernando Monteiro (PP-PE) e Arthur Maia (DEM-BA) assumiram, respectivamente, os postos de presidente e relator na Comissão Especial que analisará o mérito da Proposta de Emenda Constitucional 32/2020.
O colegiado foi instalado na sessão realizada na tarde desta quarta-feira (9), na Câmara dos Deputados, tendo 34 titulares e o mesmo número de suplentes. No mesmo dia, pela manhã, entidades sindicais do funcionalismo e a Frente Parlamentar Mista do Serviço Público realizaram um ato próximo à entrada do Anexo II da Câmara.
Parlamentares e representantes sindicais se revezaram em discursos que associavam a reforma à redução de direitos e ao desmonte dos serviços públicos no Brasil. O ato foi transmitido simultaneamente nas redes sociais pelo bloco da Minoria parlamentar na casa legislativa e por entidades sindicais.
Abaixo-assinado
Pouco depois do ato, parlamentares e representantes sindicais levaram ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), uma abaixo-assinado, com mais de 120 mil assinaturas, no qual a ‘reforma’ é criticada e defende-se a suspensão de sua tramitação. Entre outros motivos, em decorrência das dificuldades para que se faça um amplo debate em meio às medidas de isolamento social adotadas na pandemia da covid-19.
Aliado do presidente Jair Bolsonaro e escolhido para o cargo sob denúncias de uso da máquina pública, Arthur Lira recebeu o documento e voltou a afirmar que os atuais servidores não serão atingidos pelas mudanças propostas na PEC. Este, aliás, tem sido um mantra que há algumas semanas passou a ser propagado pelos parlamentares governistas e pelo próprio ministro da Economia, Paulo Guedes. Provavelmente, com o intuito de vencer resistências à proposta na própria base aliada do governo.
Os movimentos contrários à reforma, no entanto, destacam que ela mexe com fundamentos dos serviços públicos que podem levar a um verdadeiro desmonte do setor. Tal avaliação já é suficiente para derrubar as bases da promessa do governo quanto aos atuais servidores: afinal, como poderia não atingir a todos se a própria existência dos serviços públicos hoje constituídos estaria ameaçada?
Além disso, a proposta enfraquece as carreiras atuais com o fim do regime jurídico único (RJU), substituição de cargos em comissão e FCs por “cargos de liderança e assessoramento” que poderão ser ocupados por pessoas estranhas ao serviço público, ampliação da terceirização, entre outros ataques.
Presidente e relator
Tanto o discurso do presidente da comissão quanto o do relator tentaram evitar tensões. Ambos falaram em diálogo e num debate “amplo”. Entretanto, Arthur Maia, que relatou a ‘reforma’ da Previdência em 2019, no governo de Michel Temer (MDB), criticou o que chamou de excessos da Constituição de 1988 ao tentar negar a ditadura militar e disse que isso contribuiu para “um Estado bastante amarrado, com dificuldades de gestão, com pouca flexibilidade e que tem trazido prejuízos ao desenvolvimento dos serviços públicos.”
Mais adiante, atacou o setor, sem apresentar dados ou pesquisas que comprovem o que sustentava. “O Brasil não está satisfeito com os serviços públicos que são prestados (…). O Estado se transformou em sinônimo de inércia e incompetência”, disse. Foi contestado por parlamentares da oposição, que lembraram, por exemplo, do reconhecido trabalho desenvolvido por servidores do Sistema Único de Saúde no combate a pandemia da covid-19 – sem o qual a situação do país poderia estar muitas vezes pior.
Pouco antes, o presidente da comissão tentara dar ao trabalho que se iniciava ali um fantasioso ar de isenção em relação às forças políticas que se enfrentam no Congresso. “Aqui não seremos nem governo nem oposição, não aceitarei manobras, seja do governo ou da oposição”, disse. “Meu compromisso é com o povo brasileiro, o servidor público e o cidadão que paga seus impostos”, discursou. “Ouviremos todas as correntes de pensamento, ouviremos as entidades de classe dos servidores e o foco principal deve ser pela luta pela aprovação de uma reforma cidadã”, prometeu. “Não será a reforma que desejamos, será a reforma possível ao país em tempos de pandemia e tantas restrições sociais e econômicas”, disse. “Quero reiterar a palavra-chave na presidência: diálogo”, pontuou. “Vamos manter os atuais direitos da maioria dos atuais servidores públicos, ao mesmo tempo que atualizaremos a legislação para permitir a necessária modernização do Estado, uma adequação ao século 21”, continuou.
Ao final, voltou a tentar vender a ideia de uma reforma que não é contra os trabalhadores. “O pior pecado que poderíamos cometer nos trabalhos que estamos começando hoje será compreender que nessa comissão haverá uma disputa entre os que são a favor do funcionalismo e os que são contra o funcionalismo”, concluiu.
Oposição
Obviamente, não convenceu nem aos representantes sindicais dos servidores, que acompanhavam a sessão pelas redes sociais, e tampouco aos deputados contrários à proposta. O deputado Rogério Correia (PT-MG), que integra a coordenação da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, da qual o Sintrajud (sindicato de São Paulo) participa como entidade apoiadora, relatou a entrega do abaixo-assinado ao presidente da Casa e voltou a defender a suspensão da tramitação da PEC 32. “A alma dessa proposta que aqui está é a privatização dos serviços públicos e a retirada de direitos dos servidores”, afirmou.
O deputado defendeu que os debates sejam amplos, envolvam todos os segmentos do funcionalismo e transcorram nas diversas regiões do país. Questionou o presidente do colegiado sobre o plano de trabalho, mas não obteve resposta de Fernando Monteiro. Quem falou sobre isso foi o relator, que ao prometer que seria assegurado o amplo debate, com audiências públicas abordando a proposta por temas a serem definidos, disse que para isso não seria necessário usar o teto de 40 sessões regimentalmente previsto no regimento interno da Câmara. Contestado por deputados da oposição, Arthur Maia manteve a sua posição. “Não precisamos utilizar todas as sessões que o regimento interno prevê para fazer [o debate]”, disse, assinalando que o regimento estabelece o mínimo de dez e o máximo de 40 sessões para analisar a matéria.
Pouco antes de encerrar a sessão, Fernando Monteiro anunciou que a próxima reunião seria convocada para 16 de junho, quarta-feira da semana seguinte, às 14h30, tendo como pauta “a apresentação do plano de trabalho, deliberação dos requerimentos e eleição dos vice-presidentes”.
Promessas…
Ainda houve tempo para a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) falar, por vídeo, e questionar o fato de nenhum parlamentar da bancada do partido ter sido incluído no colegiado. Na véspera, o presidente da Câmara havia prometido publicamente que todas as legendas estariam contempladas na comissão, o que acabou não ocorrendo. A primeira das “promessas” do governo quebradas antes mesmo de a PEC iniciar a tramitação no colegiado especial. “O presidente Arthur Lira disse que todos os partidos teriam representação nesta comissão, e no entanto os trabalhos foram iniciados sem que nós pudéssemos participar”, disse, para, em seguida, criticar o conteúdo da ‘reforma’. Afirmou que o que está proposto precariza “as relações de trabalho, favorecendo o coronelismo e a indicação política, que infelizmente é o principal objetivo desta reforma do governo Bolsonaro”.
O deputado Fernando Monteiro disse que seria assegurada a inclusão dos nomes do PSOL e da Rede, que estavam ausentes da relação divulgada. No entanto, até o final do dia apenas a representante da Rede havia sido inserida na conformação da comissão, e na publicação deste texto também ainda não estava cumprida a promessa (conheça aqui os integrantes). “Começa mal essa comissão”, havia dito a deputada de São Paulo ao contestar a exclusão. Referia-se ao compromisso não cumprido por Arthur Lira, mas a frase também poderia se referir à contraditória promessa de um amplo e aprofundado debate e a pressa do relator em concluir os trabalhos antes de esgotar as sessões permitidas pelo regimento.
Hélcio Duarte Filho
Texto originalmente publicado no site do Sintrajud-SP
Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados