Guedes deve ser questionado hoje na Comissão da PEC 32 por querer servidores ‘fáceis de demitir’
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Principal autor e defensor dos projetos de ‘reforma’ dos serviços públicos e das privatizações articuladas pelo governo de Jair Bolsonaro, o ministro Paulo Guedes terá que explicar na Câmara dos Deputados, nesta tarde, por que o governo quer servidores de confiança e fáceis de serem demitidos. A partir das 14h30 o ministro falará à Comissão Especial que analisa a Proposta de Emenda Constitucional 32/2020.
A ida de Guedes à Câmara ocorre num momento em que o governo Bolsonaro se vê abalado por uma série de denúncias que provavelmente não ocorreriam se os servidores públicos não tivessem assegurada a estabilidade no emprego – comércio ilegal de madeiras, indícios de lavagem de dinheiro por parte do líder do governo, Ricardo Barros, possíveis propinas nas vacinas.
As denúncias expuseram o quanto servidores nestas condições podem ser obstáculos para possíveis esquemas de corrupção dentro dos órgãos públicos. Foi o caso das suspeitas levantadas por um servidor do Ministério da Saúde sobre as irregularidades na compra de vacinas indianas (Covaxin). Na mesma semana, o ministro da Secretaria de Governo, Onyx Lorenzoni, foi à TV atacar o servidor e declarar que ele seria alvo de um processo administrativo disciplinar.
Estabilidade
O PAD é um instrumento instalado para apurar, por meio de uma comissão de servidores, eventual responsabilidade por infração praticada no exercício de atribuições. Pode até levar o servidor à demissão, caso lhe seja atribuído algum erro grave ou ato criminoso, porém prevê direito à defesa e os devidos ritos administrativos.
Algo bem diferente, portanto, do que o governo quer aprovar com a ‘reforma’ administrativa. Se estivesse sob as regras da PEC 32, um servidor em situação similar poderia ser demitido sumariamente e sem direito à defesa, caso tivesse sido contratado posteriormente às mudanças. Mas mesmo que já fosse servidor concursado antes de a ‘reforma’ entrar em vigor, não estaria a salvo das novas regras, como propaga o ministro da Economia. Isto porque o seu ato contra a corrupção poderia ser pautado numa comissão que a PEC pretende criar e que analisará o desempenho funcional ao longo dos anos. Essas avaliações, caso negativas, podem levar à demissão.
Quem vai avaliar?
A controversa demissão por avaliação de desempenho foi aprovada na ‘reforma’ administrativa proposta pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1998. Jamais foi regulamentada, o que se constituiu numa vitória da luta dos servidores em defesa da estabilidade e da não interferência indevida de políticos no trabalho desenvolvido em hospitais, universidades, tribunais, órgãos de segurança e demais serviços públicos.
A PEC 32, além de acabar integralmente com o direito à estabilidade da imensa maioria dos futuros servidores, também prevê a regulamentação dos critérios de avaliação de desempenho – alterando inclusive o mecanismo legislativo para isso, passando a poder ser definida por meio de projeto de lei ordinário e não mais lei complementar, que exige quórum qualificado para aprovação no Congresso Nacional.
O que o texto que Guedes defenderá na Câmara não diz é quem fará parte destas comissões e quais os critérios que irão nortear a análise do desempenho de quem trabalha nos serviços públicos.
Não se sabe quem fará parte, por exemplo, de uma eventual futura comissão que avaliará servidores como Luís Ricardo Miranda, o já mencionado chefe do departamento de importações do Ministério da Saúde que no dia 25 de junho foi à CPI da Covid dizer que havia algo errado no processo de compra de vacinas e que estava sendo pressionado a encaminhá-lo às pressas.
Porém, a própria ‘reforma’ dá pistas de que personagens ocuparão estes postos de avaliadores. Afinal, a proposta do governo é direta ao instituir mudanças que levarão à permissão para gestores contratarem, sem concurso, dezenas de milhares de pessoas para exercer cargos de chefia nas administrações públicas municipais, estaduais e federais – os chamados cargos de liderança, aos quais nada impede que a futura regulamentação da ‘reforma’ delegue a prerrogativa de avaliar os servidores.
Outra informação que não está no texto, mas foi verbalizada pelo principal ministro de Bolsonaro, é que um dos critérios da avaliação de desempenho sonhada pelo Planalto é o servidor demonstrar ‘ser de confiança’ e não ser um ‘vazador’. Sim, foram essas as palavras que Guedes usou numa live, poucos meses atrás, para explicar a regulamentação que o governo pretende fazer se conseguir aprovar a ‘reforma’. Algo, aliás, que os deputados poderiam pedir para que ele explique na sessão da comissão especial, diante de tantos episódios em que servidores, regidos pelo estatuto que a PEC tenta dissolver, foram a pedra no caminho de possíveis casos de corrupção dentro da gestão de Jair Bolsonaro.
Hélcio Duarte Filho
Sintrajud
Foto: Reuters