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Guedes diz que estabilidade será ‘prêmio’ após 7 ou 8 anos de avaliações

Há 3 anos


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Ministro da Economia vai à Câmara para defender a impopular 'reforma' Administrativa e é chamado de 'mentiroso' diversas vezes; pouco depois, relator protocolou na CCJ parecer favorável.

Nos quase 65 minutos nos quais falou, por vídeo, sobre a ‘reforma’ administrativa na Comissão de Constituição da Câmara, o ministro Paulo Guedes (Economia) procurou amenizar os inegavelmente imensos impactos da PEC-32/2020 sobre os direitos dos servidores. Também tentou revisar ataques passados e notórios à categoria. Disse que jamais chamou os servidores de “parasitas” e que o inimigo a que se referia quando disse ter colocado uma granada no bolso não era o servidor público – não explicou, porém, exatamente no bolso de quem colocara o explosivo. Esse comportamento fez com que fosse chamado de mentiroso várias vezes por parlamentares da oposição.

Mesmo assim, aparentemente não conseguiu evitar novos ataques – como quando disse haver servidores com 20 carros na garagem e que direitos contidos nos planos de carreiras são privilégios. Apesar de tentar suavizar a ‘reforma’, também admitiu que a proposta do governo federal para os serviços públicos, na prática, é acabar integralmente com a estabilidade de todos os futuros trabalhadores por pelo menos os primeiros anos no cargo, inclusive os que venham a integrar as carreiras típicas, a serem definidas por lei complementar. O ministro chegou a mencionar que esse período sem estabilidade, mesmo para as únicas carreiras que vão conservar a conquista em alguma medida, poderia durar até oito anos.

O ministro que faz pouco mais de duas semanas disse que o governo pretende privatizar a saúde pública também reconheceu, talvez por descuido, que apenas as carreiras que venham a ser classificadas como típicas de estado vão preservar as condições básicas para que um servidor exerça bem o seu papel. “Nós vamos definir as carreiras típicas de estado em lei complementar, em projetos posteriores. E essas carreiras típicas de estado preservam essas vantagens de estabilidade no emprego, tudo que é necessário para o bom desempenho do funcionalismo será preservado”, disse.

‘Passar no exame’

Reiteradas vezes ele secundarizou a importância dos concursos públicos para acesso ao cargo público – definiu isso como ‘passar num exame’. Valorizou o critério da meritocracia apenas nas avaliações de desempenho e voltou a falar em rebaixamento dos planos de carreiras do funcionalismo – com salários menores para o início das tabelas de classificação.

“A diferença é que não é só fazer um exame e na mesma hora você ganha um salário muito alto e estabilidade para o resto da vida. Não é razoável. Você entrou, você tem que entrar com salários comparáveis ao que você teria na iniciativa privada, aí você vai ser avaliado. Dependendo das carreiras típicas de estado, eles mesmo é que vão definir em que momento o Itamaraty considera alguém que passou no concurso depois de uma avaliação de um, dois, três anos… em que momento ele deve conquistar por serviços prestados essa estabilidade. Em que momento alguém que foi contratado pelo Judiciário, depois de enfrentar vários casos, vários julgamentos, em que momento esse jovem que entrou com 22, com 23 anos, em que momento ele pode começar a ter os aumentos de salários mais substantivos e em que momento ⏤ cinco, seis, sete, oito anos ⏤ ele pode receber a estabilidade de emprego como um prêmio ao bom desempenho, em vez de [ser] por se preparar num cursinho e passar num exame”, disse Guedes.

O principal ministro do presidente Jair Bolsonaro foi questionado diversas vezes se falava a verdade e até que ponto mentia. Por mais de uma vez, tratou a estabilidade atual como se ela fosse adquirida automaticamente pelo servidor recém-empossado, o que não é verdade. Existe a previsão de estágios probatórios – nos quais apenas três anos após ser empossado o servidor é definitivamente efetivado e adquire estabilidade. Quando isso acontece, ele passa a se submeter às exigências do cargo, não estando isento de eventuais processos que possam levar inclusive à demissão, caso cometa desvios, desídia ou atos de corrupção, por exemplo.

A questão é que desde a posse o novo funcionário é servidor público, com quase todos os direitos, fora a estabilidade, e deveres que o respectivo cargo exige. Na Proposta de Emenda Constitucional 32/2020, porém, isso muda. O trabalhador passa por um período de experiência, mesmo que tenha sido aprovado em primeiro lugar no concurso, e poderá ser exonerado caso não passe na avaliação de seus superiores – ou tenha o desempenho considerado inferior ao de outra pessoa que disputava a vaga.

Sem convencer, ministro diz que nada atingirá atuais servidores

Guedes também tentou por diversas vezes assegurar que a reforma não atingirá os atuais servidores. E aí também ou mentiu ou se enganou ao tentar explicar por que não. Primeiro, disse que os questionados superpoderes que permitiriam ao presidente da República extinguir, por exemplo, o Ibama, não atingem quem já é do quadro porque eles teriam preservada a estabilidade e poderiam ser remanejados para outro órgão. Enquanto não se cansava de falar em meritocracia e serviços melhores como alvos da ‘reforma’, restringia neste caso a relação de trabalho de um servidor público atual a manter o emprego e não ser demitido – desprezando qualquer impacto no fato de alguém que trabalhou a vida inteira em uma instituição pública, uma universidade, por exemplo, ter que se submeter a remanejamentos involuntários apenas porque o presidente eleito resolveu extingui-la.

Outra vez mentiu ou se confundiu quando disse que os atuais servidores não vão ser atingidos pela avaliação de desempenho prevista para ser implementada por lei posterior. Não há controvérsia quanto a isso: a eventual regulamentação da demissão por insuficiência de desempenho atingirá a todos, atuais e futuros servidores. O que Guedes também não disse é que essa regulamentação, que a Constituição hoje prevê que seja feita por lei complementar, passaria a depender de lei ordinária – o que, como o próprio nome indica, exige menos esforço e votos para ser aprovada no Congresso Nacional.

Ainda neste campo, noutro momento fez um discurso sem dúvida elástico para tentar convencer que os atuais servidores podem ficar tranquilos que terão todos os seus ‘privilégios’ preservados (sim, por uma vez pelo menos ele mencionou a palavra privilégios, algo que o ministro que já usou o termo ‘parasitas’ para se referir aos serviços públicos parecia querer evitar; mas disse que estes “privilégios” eram direitos adquiridos e que seriam preservados.

Voltando à retórica elástica mencionada: afirmou que os atuais servidores não apenas não serão submetidos a avaliações, como caberá a eles definir as regras sobre os parâmetros da avaliação de desempenho e pressupostos para que os futuros servidores conquistem ou não a estabilidade.

“Precisamos de avaliações e essas avaliações em nenhum momento ameaçam os funcionários públicos atuais. Ao contrário, eles vão criar os padrões como os futuros servidores públicos serão avaliados”, disse. Como já se viu, os atuais servidores serão sim submetidos às avaliações – para que isso não ocorra a PEC teria que revogar o dispositivo aprovado no final da década de 1990 e até hoje não regulamentado, em boa medida em decorrência das lutas do funcionalismo contra a implantação de mecanismos de perseguição e apadrinhamento no setor público. Abstraindo-se isso, porém, ficou sem explicação do ministro como os atuais servidores teriam essa incumbência, já que a proposta diz que os critérios de avaliação serão definidos em lei ordinária posterior, a ser encaminhada pelo Executivo ao Congresso Nacional.

‘Não haverá demissões’

Contraditoriamente, após defender a restrição e até eliminação da estabilidade, tratada como um problema, para os próximos servidores, disse que as avaliações não terão como finalidade demitir ninguém. “As avaliações são da qualidade dos serviços, não é propriamente o indivíduo que está sendo avaliado, que querem mandar embora, não é nada disso. Como é que está o serviço de tirar passaporte no Brasil? Como está o serviço de educação básica, de água e esgoto?”, disse. Optou por não mencionar que, pelo menos no serviço público federal, já existem avaliações de desempenho com essa finalidade, sem associação com processos de demissão. Para apenas redefini-las sem o objetivo de cortar cabeças, não é necessário mexer no texto constitucional.

Saída sem dizer adeus

Guedes se retirou da reunião sem se despedir e antes de todos os deputados inscritos falarem. Houve protestos, mas a presidente da comissão, Bia Kicis (PFL-DF), encerrou abruptamente a sessão, que durou 3h42min. Antes de virtualmente partir e ser chamado de ‘fujão’ nas redes sociais, o ministro fez insistentes agradecimentos ao relator, deputado Darci de Matos (PSD-PR). Disse que o parlamentar conseguiu sintetizar com perfeição os aspectos centrais do que pretende a ‘reforma’ de Bolsonaro.

O deputado do Centrão reiteradas vezes declarou de forma um tanto confusa, em outros espaços e momentos, que a ‘reforma’ acabará com a estabilidade e com o concurso público para a maioria dos cargos. Chegou ao extremo de sugerir que as mudanças vão destravar os impedimentos para que um novo gestor possa moldar a composição dos quadros dos serviços públicos em consonância com as políticas que defende. Poucas horas depois, talvez empolgado com os elogios recebidos do enviado do Planalto, Matos foi ao Twitter anunciar que acabara de protocolar na secretaria da CCJ o parecer favorável à admissibilidade da PEC.

Admissibilidade contestada por deputados contrários à proposta – os que mais se manifestaram -, que veem na ‘reforma’ um desmonte dos princípios fundamentais da Constituição, as chamadas cláusulas pétreas, como o direito à saúde, à educação ou à Justiça. Estas só podem ser alteradas por deputados eleitos especificamente para revisar a carta máxima do país. Legalidade também contestada pelo público que, com acesso ao Congresso indefinidamente bloqueado por conta da covid-19, assistia à transmissão da TV Câmara pelo Youtube. Enquanto cerca de 500 pessoas registraram aprovação ao ministro, quase 11 vezes mais, perto de seis mil, clicaram no ícone que demonstra contrariedade, o deslike, assinalando sua rejeição da PEC-32.

Hélcio Duarte Filho

Fonte: Sintrajud

Foto: Marcos Corrêa/PR