Cerca de 12% do funcionalismo federal pode se aposentar imediatamente; número de estatutários em 2023 é inferior ao de 30 anos atrás
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Aproximadamente 12% das servidoras e dos servidores públicos federais estão em situação de abono de permanência e devem deixar o funcionalismo dentro dos próximos anos. O dado é do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos e foi divulgado na portaria que regulamenta o Concurso Nacional Unificado. Segundo a pasta, a estatística evidencia a demanda pela reposição de quadros. Nos últimos 30 anos, a proporção de servidor público para cada 100 mil habitantes caiu de 170 para 78.
De acordo com o estudo “Análise de dados sobre concursos públicos no Poder Executivo”, realizado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap), o número de servidores está em queda, e há menos estatutários em 2023 do que havia em 1989. “Os resultados apontam para três momentos de pico de entrada de novos servidores públicos: de 1988 a 1998, de 2003 a 2010 e de 2012 a 2016. Esses picos têm diferentes impactos no estoque de servidores, com quedas e crescimentos subsequentes. No geral, o estoque de servidores concursados aumentou consideravelmente desde 1988”, informa o Ministério da Gestão.
Somente 568 mil servidores federais na ativa
Dados de 2022 demonstram que o contingente de servidores civis ativos no âmbito do Poder Executivo Federal totalizava 568 mil pessoas, número mais baixo desde 2009. Números do Painel Estatístico de Pessoal do governo federal mostram que, em junho de 2023, havia 1.208.684 servidores e servidoras registrados. No entanto, apenas 46% estavam na ativa; eram 34,55% aposentados e aposentadas; e 19,43% falecidos com decorrente instituição de pensão.
Além dos servidores e servidoras em abono de permanência, o número de afastamentos atingia a 41.998 servidores e servidoras; a maior parte, 39,94%, por motivos de doença (não profissional). Outros motivos são, por exemplo, treinamento/capacitação, licença-maternidade, interesse particular.
Pedro Masson, coordenador-geral de Ciência de Dados da Diretoria de Altos Estudos da Enap, ao falar sobre a queda no número de servidores e servidoras, afirma que “a imagem de órgãos federais abarrotados de gente fazendo nada é uma caricatura”.
Serviço público e desenvolvimento
O cientista político Fernando Luiz Abrucio, pesquisador e professor da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas, afirma que o servidor “é o representante do Estado, e de suas normas e deveres, e esse papel ficou claro durante a pandemia e no governo de Jair Bolsonaro, quando áreas fragilizadas foram defendidas por parte funcionalismo”. “Imagine se não tivéssemos os profissionais do SUS atuando na pandemia?, foram eles que evitaram uma tragédia maior.”
Servidores da Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos se recusaram a liberar joias trazidas da Arábia Saudita na comitiva do ministro de Minas e Energia no país, sem o pagamento do imposto, ainda que pressionados pelo ministro e pelo chefe da Receita. Outro exemplo de servidor que atuou em defesa das normas do Estado é o do indigenista Bruno Araújo Pereira, que, mesmo licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai), atuava na defesa da Terra Indígena Vale do Javari (AM) quando foi assassinado.
“Essa burocracia profissional do Estado resiste quando necessário”, afirma Abrucio.. “Não precisamos de menos servidores, mas de mais profissionalização da máquina estatal. Não há saída fora disso se queremos ter desenvolvimento econômico.”
Há um mês, o ministério propôs aos órgãos do governo a realização de um Concurso Nacional Unificado. O intuito é que o certame preencha aproximadamente oito mil vagas disponíveis no serviço público federal ao longo do ano de 2023 e o de 2024.
Percentualmente, Brasil tem menos servidores do que Europa, EUA e países vizinhos
O Atlas do Estado Brasileiro, plataforma do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que servidoras e servidores públicos representam 12,45% do total de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros, percentual que fica abaixo de Estados Unidos, Europa e países vizinhos. “É um verdadeiro mito essa concepção de explosão na força de trabalho do serviço público no Brasil. Uma simples comparação internacional mostra isso”, diz o pesquisador Félix Lopez, um dos coordenadores do Atlas do Estado Brasileiro.
Dos 91 milhões de trabalhadores brasileiros, 11,3 milhões estão atuando no setor público com diferentes tipos de contratação nas três esferas. Representam 12,45% do total, número parecido com o do México, onde 12,24% atuam no serviço público. Mas é menor que o dos Estados Unidos, que têm 13,55% dos trabalhadores e das trabalhadoras no setor público. No Chile, muito citado pelas reformas neoliberais, que reduziram o peso do Estado, servidores e servidoras representam 13,10% da força de trabalho.
Mais que os números, é fundamental levar em conta a política pública de cada país, diz Félix Lopez. “O Brasil é ambicioso em suas políticas de universalização de saúde e educação, o que demanda mais gente. Ainda assim está no nível intermediário na comparação internacional.”
O efetivo brasileiro está bem atrás das nações que optaram pelo Estado de bem-estar social na Europa: os servidores representam 30,22% dos trabalhadores na Dinamarca, e 29,28% na Suécia. Na média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o funcionalismo representa 23,48% do total de trabalhadores e trabalhadoras.
Defesa de Lira da PEC 32/2020 sai das manchetes, mas segue pronta para votação em plenário
Nos últimos meses, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), vem participando de debates empresariais nos quais tem insistido para que o setor pressione o governo de Lula pela aprovação da reforma administrativa. A PEC 32/2020 foi proposta no governo de Jair Bolsonaro (PL) e é parte central da agenda derrotada nas últimas eleições, mas Lira tem atuado para emplacar a proposta e diz que busca apoio no Congresso para colocá-la em votação.
PEC 32: ataque a concursos públicos, estabilidade e precarização
A proposta de reforma administrativa praticamente acaba com concursos públicos e substitui servidores que ingressam pela porta da frente por contratos temporários de até 10 anos, facilitando a entrada de apadrinhados nos municípios, estados e na União, piorando a qualidade dos serviços públicos e multiplicando cabides de emprego para cabos eleitorais. Lira quer aprovar a PEC 32 para mudar os regimes de contratações para rebaixar salários e ao mesmo tempo reforçar nacionalmente a privatização e terceirização de serviços básicos como a saúde e a educação através de Organizações Sociais ou diretamente para empresas, como já ocorre em diversos municípios brasileiros.
A reforma administrativa afeta servidores e servidoras das três esferas, dos três poderes, atuais e novos, da ativa e aposentados. Mesmo que, em um primeiro momento, somente os novos não teriam direito à estabilidade, os atuais servidores e servidoras seriam submetidos a avaliações de desempenho que poderiam, por exemplo, ser negativadas por participação em greves ou por perseguições políticas. Importante lembrar que a atual legislação já prevê a demissão de servidores e servidoras estáveis, mas a PEC 32/2020 inclui ferramentas que favorecem a pressão, o assédio e a ameaça nos locais de trabalho. Os atuais aposentados e pensionistas que têm direito a paridade e integralidade também seriam atingidos, pois estariam vinculados a carreiras em extinção.
Fonte: Sintrajufe/RS