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Entre prensa quente e facões, 301 crianças e adolescentes são encontradas trabalhando irregularmente em Pernambuco

Há 2 meses


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Nessa quinta-feira, 8, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) divulgou os dados de uma megaoperação contra o trabalho infantil realizada na última semana juntamente com a Policia Rodoviária Federal. Em oito dias de operação, foram identificadas 301 crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil em oito municípios do Agreste Pernambucano.

Elas estavam trabalhando irregularmente em estabelecimentos comerciais e feiras livres. A grande maioria, 298, exercia alguma atividade incluída na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, como operar máquinas perigosas, em ambientes insalubres e por longas jornadas. Dos 46 estabelecimentos comerciais autuados, 41 (cerca de 90%) pertencem ao setor têxtil. Entre as 301 crianças e adolescentes, 41 tinham até 11 anos de idade; 62, entre 12 e 13 anos, e 198, entre 14 e 17 anos.

Prensa quente e facões

Em uma das pequenas empresas dedicadas à produção de roupas, os auditores do Trabalho identificaram dois adolescentes obrigados a trabalhar em pé durante 9 horas por dia, manuseando uma prensa quente, equipamento que oferece grande risco de queimaduras e esmagamento dos membros superiores. Nas feiras livres, foram encontradas crianças com apenas 10 anos de idade manuseando livremente facas e facões para cortar carnes, com grave risco de corte e mutilação. Os auditores do Trabalho também flagraram crianças franzinas a partir de 10 anos de idade disputando com adultos para carregar as compras de clientes em pesados carrinhos de mão.

No caso de crianças e adolescentes com menos de 16 anos de idade, os fiscais determinaram que fossem imediatamente afastados das atividades perigosas que vinham executando. Já no caso dos adolescentes com 16 e 17 anos, foi determinada a mudança da função para uma atividade permitida para sua faixa etária, sem riscos ocupacionais. Todos os trabalhadores infantis que tiveram seus contratos de trabalho rescindidos receberão dos empregadores o pagamento das verbas rescisórias.

Quatro crianças morrem por mês em acidentes de trabalho no Brasil, mostra estudo; MTE afastou 2.564 crianças e adolescentes do trabalho infantil em 2023‌

Levantamento realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e publicado em outubro de 2023 pela Revista Brasileira de Saúde Ocupacional aponta que acidentes de trabalho matam quatro crianças a cada mês no Brasil. O estudo traz dados desde 2011. A Fiocruz considerou dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) a respeito de meninos e meninas de 5 a 17 anos que trabalham. Entre 2011 e 2020, foram registrados 24.909 casos de acidentes de trabalho e 466 mortes, o que representa 207 acidentados e quatro mortos por mês.

A legislação determina que menores de idade podem trabalhar a partir de 14 anos apenas como aprendizes e entre 16 e 18 anos de forma protegida, longe de quaisquer atividades que possam representar perigo. Porém, do total de acidentes de trabalho registrados no período, 792 vitimaram menores de 14 anos, ou seja, que não poderiam estar trabalhando em nenhuma condição. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mais recente, de 2019, aponta que 1,8 milhão de crianças e adolescentes brasileiros estavam em situação de trabalho infantil naquele ano. Especialistas ouvidos pelo jornal Folha de S. Paulo entendem que todos esses dados sofrem, ainda, com a subnotificação, o que significa que o problema é ainda maior.

No ano passado, o MTE, por meio da Auditoria Fiscal do Trabalho, afastou 2.564 crianças e adolescentes de situações de exploração do trabalho infantil em 1.518 ações realizadas de fiscalização em 2023. A grande maioria (89%) das crianças e adolescentes foram encontrados em atividades elencadas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil.

Deputado do Novo dá parecer favorável, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, a uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que libera trabalho infantil. Trata-se da PEC 18/2011, de autoria do deputado Dilceu Sperafico (PP-PR), que estava parada há 13 anos.

Em seu artigo 7º, a Constituição Federal trata de direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras. O inciso XXXIII define a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”. A PEC 18 quer alterar esse inciso para permitir a possibilidade de trabalho “sob o regime de tempo parcial, a partir de quatorze anos”. O trabalho em regime de tempo parcial é definido pela CLT como “aquele cuja duração não exceda a trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas suplementares semanais”. Ou seja, a PEC quer permitir que adolescentes entre 14 e 16 anos trabalhem até 32 horas por semana em condições iguais às dos adultos. À proposta, foram apensadas outras seis PECs com teor semelhante. Uma delas (PEC 2/2020), de autoria do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), reduz a idade mínima para 13 anos. A tendência é de que, caso seja aprovada a admissibilidade na CCJ, a PEC 18 seja reformulada reunindo elementos das seis outras propostas a ela apensadas.

Nos Estados Unidos, explosão de trabalho infantil

No ano passado, uma reportagem da BBC denunciou que o trabalho ilegal de crianças e adolescentes vem crescendo nos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, diversos estados do país estão afrouxando leis que deveriam proteger a infância. O cenário preocupante de aumento no trabalho infantil não é, portanto, exclusividade do Brasil.

Em 2022, quase 4 mil crianças foram encontradas por fiscais trabalhando de modo irregular nos Estados Unidos, o maior número da série histórica que teve início em 2013, data a partir da qual os dados estão disponíveis. Enquanto isso, pelo menos 14 dos 50 estados do país têm discutido leis que facilitam o trabalho de menores de idades, inclusive em funções consideradas de risco ou fisicamente exigentes. Alguns dos projetos de lei em tramitação, além de liberalizar a contratação de menores de idade, preveem que crianças e adolescentes tenham remunerações que equivalem à metade do salário mínimo estabelecido legalmente para adultos. Assim, há duas faces do problema: o trabalho ilegal, por um lado, e, por outro, as ações para legalizar a exploração infantil.

Fonte: Sintrajufe/RS

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil